Friday, December 12, 2008

Of mise and man

Querida mana,

Estou imerso em desalento. O manto quase se põe e enquanto não o faz o céu vai reflectindo a areia do deserto. Dou um passo e logo outro me pesa na consciência. O cenário que vejo é desolador. Um grupo de pessoas fechadas em si mesmas. Não é que as vidas tenham cessado, os sonhos estão lá, mas cintilam indefinidamente projectando as mesmas imagens vezes e vezes sem conta, nos seus olhares longínquos. Acho que se tornaram dependentes dos sonhos, uma droga como outra qualquer. E como neste deserto de ideais o próximo sonho da lista ficou por cumprir as suas vidas pararam ao som do canto fúnebre dos sonhos.

Estarei eu já fora de mim mana?

"a guy goes nets if he ain't got nobody. It don't make no difference who the guy is as long as he's with you. I tell you... If a guy gets too lonely he gets sick”

Preciso de ti mana, com a urgência de quem, de ti, tudo depende...

Do teu, para sempre, irmão

The shades of gray

Querida mana,

"As nuvens alaranjadas do poente iluminam tudo com o encanto da nostalgia, mesmo a guilhotina"

O que escolher? O peso? a leveza? O Amor ou o Medo? O que ser? No que tornar? Dum lado os que matam, do outro os que padecem. Dum lado os que choram, do outro os que se honram. Que veredicto tomar? A Paz depois da Guerra, ou a Guerra antes de toda a Paz?..

O preto e o branco sustentam o eterno retorno de Nietzsche. Indefinidas repetições da mesma coisa, do mesmo ser. Que dramático! Se eu for preto e tu branco então uma fronteira perfeita ergue-se entre nós e nos torna inalcançáveis. Dessa forma eu serei preto para sempre e tu para sempre branca serás. Aterrador! A Guerra será sempre a Guerra, a Paz será sempre a Paz. Nunca os erros serão perdoados e as glórias consagradas, os filhos da Guerra serão Guerras, os filhos da Paz pombas brancas. As guerras continuarão a jorrar, os movimentos de paz a estancar, em repetidas ressurreições até ao infinito.

De que margem do rio nos dispomos então?

Eu cá renego o preto e o branco como duas individualidades. Um não é nada sem o outro. Um rio só é um rio porque tem duas margens. O seu caudal progride porque se extende em tons de cinzento. E assim por cada mundo se erguem 2 Reis um em cada margem enquanto nós lutamos contra a corrente. Ora tentanto alcançar uma, ora tentano alcançar outra, de entre as duas margens. Um dia aproximamo-nos da Guerra, no outro a corrente muda de direcção e aproximamo-nos da Paz.

E o rio vai correndo...

Do teu, para sempre, irmão

Tuesday, October 21, 2008

A total ausência de Amor

Querido mano,

Da janela do meu mundo vejo um campo verde. E pedras cinzentas. Dois Reis vestidos de preto respiram o céu. Uma forma de luto dizem, mas eu sei que só há luto no amor. E assim apenas um rei se veste realmente de negro.

Hoje choro o nosso mundo mano. Ajoelho-me e sinto as pedras rasgarem-me a pele. O vazio é tão grande que nem Amor vejo em mim. Uma total ausência. Não fosse o peso sobre os meus joelhos e pensaria ter deixado de existir. Aqui os campos verdes sucumbiram e em vez de dois Reis eis que urge uma civilização, em toda a sua extensão, como que a viver um luto. Mas de negro veste-se um dos Reis mano, o outro, já o é por dentro.

Da tua, para sempre, irmã

Monday, April 7, 2008

Cee you

Querida mana:

"Decidi há muito tempo contar a verdade absoluta. Sem rimas, sem embelezamentos. Tive testemunhos em primeira mão de todos os acontecimentos que não presenciei, as condições na prisão, a evacuação para Dunquerque, tudo. Mas o efeito de toda esta honestidade foi bastante impiedoso. Percebe? Não conseguia imaginar que propósito ela serviria. Pela honestidade... ou pela realidade. Porque, de facto, fui cobarde demais para ir visitar a minha irmã em Junho de 1940. Nunca fiz aquela viagem até Balham. Portanto, a cena em que me confesso a eles é imaginária. Inventada. E, de facto,nunca poderia ter acontecido. Porque... ele morreu de septicemia em Bray-Dunes no dia 1 de Junho de 1940, o último dia da evacuação. E eu nunca fui capaz de compor as coisas com a minha irmã, pois ela foi morta a 15 de Outubro de 1940, pela bomba que destruiu as condutas de água e de gás por cima da estação de Metro de Balham. Portanto... a minha irmã e ele nunca tiveram o tempo juntos que tanto ansiavam e mereciam. E o qual, desde então, eu... Desde então sempre senti que fui eu que o evitei. Mas que sensação de esperança, ou satisfação, poderia um leitor retirar de um final assim? Por isso, no livro, eu quis dar a ambos o que perderam na vida. Gosto de pensar que isto não é fraqueza ou fuga, mas um acto final de bondade. Dei-lhes a sua felicidade".

Não te contei na última carta mas, entre os despojos num bolso de casaco, encontrei uma página, parcialmente rasgada, com as palavras que te transcrevi. Parecem vir de um livro, mas tal como eu a página aparenta ter sido forçada a desligar-se das lombadas do seu mundo. O contorno incerto da folha leva-me a concluir que foi rasgada, os vincos sobre si mesma, que foi dobrada para a eternidade. O facto de a encontrar no bolso do interior de um casaco perdido, só pode significar que foi mantida junto a um coração. Os índicios são claros agora as palavras...essas carregam muito mais.

E um dia a borboleta bateu as asas e o mundo desabou.

E por cada pedra caída criou-se um instante de tempo, não mais alcançável.

Dói tanto não poder voltar atrás e manter-me no teu abraço mana, dói tanto. Ao invés do teu calor este frio que me prende. E se algum dia te fiz mal, mas na minha incapacidade não o notei? E se algum dia fiz com que te perdesse sem o perceber?

E se isso significar que serei para sempre a razão de um fim?

Acho que vou vestir o casaco, dobrar novamente a folha e colocá-la junto ao meu coração. Não vejo outra maneira de aliviar este aperto...

Do teu, para sempre, irmão.

Thursday, April 3, 2008

A vida, o sonho e o acordar

Querida mana:

Porque andar ao sabor do vento não me faz esquecer de ti, sou amanhã somente o que sou hoje, para que nenhuma nova lembrança se sobreponha ao resto que guardo de ti, em mim.
De tão só a que me dispus fiz de mim uma espiral, deixei-me arrastar ao meu próprio âmago, sem sequer pensar que tu mana, pudesses também estar a sofrer com tudo o que foi desencadeado, como um cavaleiro, rendido ao seu próprio reflexo na espada. Mas não há sombra sem luz mana e as brechas dos muros que se ergueram entre nós não deixaram de ser estradas para nós.


Hoje vi terminado o deserto. Cheguei a um terreno vadio, onde a única essência que se fixou foram as ruínas das paredes que outrora sustentavam o tecto do mundo, que uma vez caído viu perdido todo o seu significado. O terreno chorava sobre os meus pés, criando riachos embalados entre despojos abandonados que não subiram ao céu, tal era o peso das lembranças que acarretavam. Ao fundo um cavalo de pau baloiçava ainda, contrapondo a esperança das memórias com o peso de um choro. Perto dele uma espécie de espírito andante, do qual ainda se ouviam os passos a ressoar nos destroços, remexia no seu tanto que aparentava ser vazio. Uma alma. É ela que deslumbro agora enquanto te escrevo. A sua transparência é tal que ficamos com a sensação que a conhecemos desde sempre. Esta não partiu, ainda mora no mesmo pedaço em que nasceu, talvez por isso se sinta amarrada a este lugar e lhe dedique tanto do seu tempo infinito.

Perguntei como se chamava, mas o som atravessou-a sem encontrar qualquer barreira e deixou-se estar no seu modo desvanecente.

No teu mundo existem almas mana?

Ouvi antes falar delas, num qualquer livro lido entre uma mãe que embala um filho e uns olhos a fechar. Sei que imaginei como seriam, brilhantes talvez, ofuscando-nos o seu interior, imaginei-as como pétalas de uma flor que se soltam no vento, como uma chuva mágica de pirilampos, daquelas que se vêm aquando da queda do manto. Estou certo que, de todas as aventuras que me contou, as que envolviam almas foram de todo, mana, aquelas que mais me abraçaram. Podes não acreditar, mas a alma que vejo a pairar, num ir e vir, transcendeu tudo o que imaginei..

Estou a pensar em assentar o corpo e esperar por ti, esperar até que o mundo entre nós tenha a distância de um abraço. Entretanto tratarei de chorar sobre riachos, fazer deles rios, de rios mares e oceanos que levem as nossas caravelas ao mesmo porto. Sim mana, porque hoje não vou chorar por não te ver, vou chorar para que a tua rota te traga de encontro a mim.

No silencio dos passos da alma deixo-me embalar e no meu esperar fixo-me na sua transparência. É difícil segui-la de olhos abertos, mais fácil fica fazê-lo de olhos fechados porque ela ressoa no peito, não reflecte qualquer luz. As ruínas também elas se acomodam, acolhem as mágoas dos despojos espalhados, cobrem-se de musgo a dar cheiro e cor. As borboletas voam num principio de incerteza, sussurram sobre as desventuras que levaram uma casa a tornar-se num cemitério de memórias. E eu que sempre os receei faço agora deste o meu porto de abrigo. Inspiro o mundo que me rodeia, para bem fundo, deixo-o correr e espalhar a novidade a todos os cantos da minha forma. Porque é assim que eu me lembro das coisas, com o mundo a correr nos meus pulmões mais perto do coração. E só o que fica no coração pode ser para sempre lembrado, ou pelo aperto que causa ou pelo sorriso que se forma. É neste vento de emoções que te lembro, esperando que a sua força me assole e me preencha por completo.

Por onde andarás mana, preciso que mais uma vez a tua sabedoria me ralhe, me incuta lições e que me faça acordar para todos os meus erros cometidos.
A chuva começa a cair, trazendo novas estações imersas em mil águas. Em breve plantarei a árvore de Maio para a celebração da tua chegada até mim. Assim te quero... Por ora deixo que o terreno se molhe, se deixe fertilizar na nossa saudade mas depois as gotas ressaltarão em mim, descerão até ao chão e alimentarão os riachos. Os rios se tornarão mares e os despojos serão engolidos pelo oceano do esquecimento e para sempre perdidos. As ruínas que suportam o meu corpo formarão a jangada de pedra a caminho do teu horizonte longínquo e com a força de um oceano não haverá barco algum que encalhe entre a tua Lisboa e a minha Índia.

E assim me cresço, para não mais ser um fardo para ti. Assim me crescem os braços e os torno mais fortes. E a minha pele, que perdeu a suavidade que tinha, assim se torna a minha armadura de papel. Os meus cabelos que secam desfiguram-me num espantalho de remendos a afugentar a dor das feridas que me tornaram homem. Não mais deixarei reger a minha vida sobre a tua protecção. Talvez de hoje em diante passe a ser o teu irmão mais velho e tu a minha protegida, para que não te distraias do caminho que te leva de encontro a mim.

Eu sei que nunca o irias consentir, sei que para ti sempre serei o teu mano mais novo, mas não podes esperar que depois de atravessar um deserto olhe para trás e me veja como a mesma criança que sempre fui. Nunca mais a serei porque falta dentro de mim o calor do teu abraço e uma história ao deitar... Sem ela sou somente hoje o que fui ontem, sem histórias para contar.

Serei o teu cavaleiro de armadura inquebrável ao lado do espírito andante, companheiro leal, heróis destemidos, destinados a vencer a maior das batalhas, Aquiles e Heitor, seremos Gregos e Troianos, Espartanos, levantaremos as espadas forjadas em honra, ergueremos o seu peso como se do nosso se tratasse. Poderá alguém nos quebrar a coragem? Que se atrevam!!! Porque eu farei tudo para proteger o teu caminho, para garantir cada quilómetro. Serei o fim do teu percurso, o teu irmão mais velho, o fim do teu medo de me perder, o cavaleiro que que se insurge porque nunca antes alguém o inventou. Podes caminhar segura, vir de onde quer que te encontres com um passo após outro, sem nunca mais chorar, nunca mais olhar para trás, nunca mais... E quando as gotas da chuva também em ti ressaltarem como fazem no meu ombro, saberás que o meu esforço é o teu esforço e que em breve as gotas saltarão de mim para ti, e de ti para mim, num abraço profundo...

Peguntei à alma se estava do meu lado. Mais uma vez o seu reflexo foi nulo mas o ressoar no peito ensurdecedor.


Se algum dia cair em batalha pois então que o faça em orgulho e me deite na cama que o mundo me fez. Sabes mana, não mais terei medo da morte, não mais me assustarei como sempre acontecia quando a mãe me contava sobre o fim, quando me explicava todo esse processo de desligar um corpo e libertar uma alma. Nunca percebi a razão de o fazer, se onde quer que estejamos não deixamos de ser quem sempre fomos. Aí ou aqui onde estou...

Mas...

Se assim é, como poderei ser eu o teu mano mais velho se sempre fui o teu mano mais novo?

(suspiro)

Deixa estar mana, também nunca acreditei em todos as histórias que a mãe me contou. Mais cedo ou mais tarde teria de acordar do sono profundo em que ela me embalou...

Do teu, para sempre, irmão.

Wednesday, February 13, 2008

περίμετρος

Querido mano:

Houvera um dia quem se pousara em areias. Traçou nelas um circulo e sentou-se no seu interior. Nas suas esperas traçou o maior hexágono regular capaz de estar contido no seu mundo. Traçou ainda o menor hexágono capaz de o conter. Dobrou-se até criar 96 cantos ao seu mundo.

O que ela te diz não te posso revelar, pelo menos de uma forma explícita como outrora se fazia aquando de uma era onde a comunicação era previligiada e valorizada. Hoje não mais somos o que dizemos, somos o nosso silêncio, almas amarguradas que apenas se distinguem pelas diferentes respirações. Assim sendo, preciso de ter cuidado com o que te digo, não vá o mundo cair-me em cima ou a sua cintura estrangular-me e fazer-me cuspir o sangue das palavras.
Mas tu que deste a volta ao mundo, ciente da distancia que percorreste, saberás por certo o significado da frase.

Da tua, para sempre, irmã.


Wednesday, October 31, 2007

Αρχιμιδις

Querida mana:

Por vezes perco o sentido das coisas, um pouco como o velho do deserto, a figura que contemplei certo dia, enquanto me arrastava entre a solidão. O velho era carrancudo, the vestes temperadas em poeira de séculos, a barba a brotar em espirais de raiz seca. A pele amontoava-se sem regra, num desenho antitético de vales profundos e cumes diversos. Segurava na mão direita um livro de páginas amarelecidas que soltavam pó somente com o respirar ofegante que lhe cansava. E aquele olhar mana, como se das páginas do livro retirasse toda a confirmação para o estado em que se encontrava, um desvanecimento profundo que me causou vertigens.
O pescoço contorceu-se aquando da percepção da minha presença. Eu, um vagamundo de pele areada, cansado de percorrer infinidades, rendi-me ao conforto da poeira e sentei-me, ao seu lado, saciando o meu desejo de companhia. Faz tempo que não converso mana, e no meu corpo já não cabe nem mais uma palavra.

Ali repousei a solidão. Em palavras trocadas de mão para mão...

Quando decidi voltar à minha condição de vagamundo, o velho arrancou uma página do seu livro e estendeu-a para mim. Nela estava escrita apenas uma frase que reescrevo aqui, na esperança que a consigas perceber:

"Sou o medo e o temor do menino vadio..."

Do teu, para sempre, irmão.