Monday, April 7, 2008

Cee you

Querida mana:

"Decidi há muito tempo contar a verdade absoluta. Sem rimas, sem embelezamentos. Tive testemunhos em primeira mão de todos os acontecimentos que não presenciei, as condições na prisão, a evacuação para Dunquerque, tudo. Mas o efeito de toda esta honestidade foi bastante impiedoso. Percebe? Não conseguia imaginar que propósito ela serviria. Pela honestidade... ou pela realidade. Porque, de facto, fui cobarde demais para ir visitar a minha irmã em Junho de 1940. Nunca fiz aquela viagem até Balham. Portanto, a cena em que me confesso a eles é imaginária. Inventada. E, de facto,nunca poderia ter acontecido. Porque... ele morreu de septicemia em Bray-Dunes no dia 1 de Junho de 1940, o último dia da evacuação. E eu nunca fui capaz de compor as coisas com a minha irmã, pois ela foi morta a 15 de Outubro de 1940, pela bomba que destruiu as condutas de água e de gás por cima da estação de Metro de Balham. Portanto... a minha irmã e ele nunca tiveram o tempo juntos que tanto ansiavam e mereciam. E o qual, desde então, eu... Desde então sempre senti que fui eu que o evitei. Mas que sensação de esperança, ou satisfação, poderia um leitor retirar de um final assim? Por isso, no livro, eu quis dar a ambos o que perderam na vida. Gosto de pensar que isto não é fraqueza ou fuga, mas um acto final de bondade. Dei-lhes a sua felicidade".

Não te contei na última carta mas, entre os despojos num bolso de casaco, encontrei uma página, parcialmente rasgada, com as palavras que te transcrevi. Parecem vir de um livro, mas tal como eu a página aparenta ter sido forçada a desligar-se das lombadas do seu mundo. O contorno incerto da folha leva-me a concluir que foi rasgada, os vincos sobre si mesma, que foi dobrada para a eternidade. O facto de a encontrar no bolso do interior de um casaco perdido, só pode significar que foi mantida junto a um coração. Os índicios são claros agora as palavras...essas carregam muito mais.

E um dia a borboleta bateu as asas e o mundo desabou.

E por cada pedra caída criou-se um instante de tempo, não mais alcançável.

Dói tanto não poder voltar atrás e manter-me no teu abraço mana, dói tanto. Ao invés do teu calor este frio que me prende. E se algum dia te fiz mal, mas na minha incapacidade não o notei? E se algum dia fiz com que te perdesse sem o perceber?

E se isso significar que serei para sempre a razão de um fim?

Acho que vou vestir o casaco, dobrar novamente a folha e colocá-la junto ao meu coração. Não vejo outra maneira de aliviar este aperto...

Do teu, para sempre, irmão.

1 comment:

delusions said...

E se algum dia fiz com que te perdesse sem o perceber?

E se isso significar que serei para sempre a razão de um fim?




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há dores maiores do que nós...