Friday, June 29, 2007

Νέμεσις

Querido mano:

"Tudo o que o pássaro quisera fora nadar, tudo o que o peixe desejara fora voar. Até ao dia em que ambos se aperceberam do quão tolos eles eram..."

Toda a gente viveu desenfreada, sobre banhos de raiva, na busca insaciável de uma vida de sonho. Todos procuraram o emprego de sonho, a casa de sonho, a pessoa ideal para ter ao seu lado, concentrados numa ignorância sem precedentes, ignorando, como sendo um facto alheio aos seus propósitos desmesurados, que a vida não se resumia a uma escadaria de sucessos por excelência. Encheram bem as barrigas com futuros variados, capazes de conter uma enciclopédia de sucessos profissionais e pessoais que os levassem à perfeição, ignorando o facto mais comprovado de que a humanidade jamais seria perfeita. Assim se alimentaram uns dos outros até não restar nada no mundo, a não ser as barrigas inchadas de vergonha.
Tristes esses poetas que ingénuamente pensaram que cada instante da vida deveria ser rimado com o anterior e o próximo, construindo dessa forma a composição métrica ideal de que me falaste, para a continuação do tempo. Tristes poetas, esses que viveram para a ordem do tempo, que se esfolaram para alcançar a corrompida excelência quando o príncipio básico da vida sempre foi ser feliz.
Não são, no entanto, eles os culpados do efeito causado por tanto mal. Apesar de todo o meu empenho em te fazer crescer, em te proteger, em elevar-te a uma condição de felicidade digna dos deuses, visível por todos, vê o que construi com tudo isso. Apenas um deserto entre nós... É claro que o esforço não recompensado e a felicidade jamais caminharão unidos, e assim acabei castigado também.
Não caias tu no mesmo erro, não te rendas à excelência das mentes corrompidas e dá conta do perigo que se eleva acima da felicidade. Ele expõe-se no pior dos momentos, e tem em vista as piores represálias, por isso silencia as tuas emoções, mas não as cales, se queres que mundo se mantenha como é.

Todo este crime tende a subverter o desenvolvimento intelectual de uma espécie, e toda a sua capacidade evolutiva, e acabará por pôr em causa o (des)equilibrio universal que nos faz pender para fora da fossa. Afinal de contas a subversão não é o que se pretende quando todo o universo se expande. Conto contigo.

Da tua, para sempre, irmã.

Saturday, June 9, 2007

Arcangelo

Querida mana:

Não fosse outro pedaço de papel, e já teria perdido a esperança de voltar a ter uma carta tua...

"A morte é fria, dura, é injusta em toda a sua existência. Leva tanta coisa com ela sem qualquer direito a discussão, sem qualquer consciência de si mesma, sem qualquer sinal de humanidade. É isso que me dói, é eu poder erguer o próprio mundo em que vivo, sem nunca o poder colocar intangível à morte. Que medo me dá por tamanha incompreensão, tamanha indiferença ao que carrega um coração...
Assim cai esta chuva, sem qualquer calor, apoiada na tua ausência que me consome, esta chuva que não é mais do que o meu próprio sangue a escorrer por entre as ranhuras do caminho que nos leva direito ao esperado. Que medo que sinto desta água que me inunda de um fado que não aceito mas que ainda assim insiste em colocar todos os que carrego a viver sobre um mesmo fim. Como me livro desta chuva se nada nos cobre no final, se para onde tendemos é para um deserto sem céu onde tudo nos cai sem qualquer conforto, sem qualquer consciência de peso, sem qualquer respeito por tudo o que sentimos dentro de nós. É essa imortalidade a maior das injustiças, não podermos condenar a morte à sua própria morte.
E assim a chuva cai e leva-te sem ter em consideração a ligação que nos une, deixando em mim a maior das cicatrizes a cobrir a maior das feridas...
Não sei onde estou, desembaraço-me agora destes pensamentos à medida que ganho consciência do espaço. À volta uma multidão urge, ao longe um clarão de luz me confunde os pensamentos, um alguém me mostra a palma da mão a receber toda a chuva vermelha que se me escorre. Em tom de pauta me diz: "Red rain is pouring down... Come il Peter Gabriel sta cantando!!"
Gabriel?"

Do teu, para sempre, irmão

Friday, June 1, 2007

Só o teu amor é tão real...

Querida mana:

E acabaste mesmo por chegar até mim novamente, nesse murmúrio que incrustaste no relevo da carta que me enviaste. Cedo percebi, nos tempos em que brincávamos juntos, que tu sempre gostaste de me contar segredos entre as linhas do tempo, deveria ter recorrido mais cedo, então, a essas lembranças. Porque são tão cheias de ti... me acalentam no vazio.
Embalas todo o teu amor em murmúrios e o sujeitas a tanta distância, sabes que as palavras banais não têm espaço para trazer com elas seja o que for, a não ser que se aliem, que se cosam em fileiras de esperança e que dessa maneira tragam com elas o mundo inteiro. Num único deslumbre dizes tanta coisa e escondes tantas outras coisas mais, e assim reúnes a composição métrica ideal para a continuação do tempo.

Vai-e-vem a poeira no deserto, vão e vêm uma infinidade de oásis, mas só o teu amor é tão real.
De tudo o que vejo em meu redor, perdido no deserto, apenas tu não és uma visão que me trai os sentidos, tudo o resto se desvanece ao fim de algum tempo, tudo o resto não é mais que poeira que tarda tanto em acentar, deixando-me a vista nublada e os sentidos sem norte. Solidão, essa quentura que me suga a água do corpo, sinto-a na garganta que nada mais faz do que cuspir terra, sinto-a na pele, e nos joelhos, que cedem ao cântico da fraqueza, assim como todo o corpo num desmaio profundo. É contigo que sonho. Com tudo o que já fomos juntos, com tudo o que ainda conto ser contigo, com tudo o que ainda está para vir e que nunca virá. Silêncio, é tudo o que me resta, e esse teu amor que de tão só, é tão real...
Que mundo permite, que se crie entre ele, uma extensão tão vasta de deserto, que desinspiração se desenvolveu nos gases da atmosfera e que priva o solo de toda a riqueza que nos ensina a crescer? Falas entre as linhas do tempo, felizmente, só assim as verdadeiras palavras passam por essa nuvem de indiferença, e se escapam da condenação à escuridão do resto do universo, só assim me vejo capaz de ouvir esta voz dentro de mim:

"Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim..."

Agora sei que há muito tempo que cantava para mim. Do murmúrio senti o teu apelo e o guardei a sete chaves. A voz que cantou dentro de mim revelou-me o teu segredo e me abriu todo um novo horizonte de esperança...

Do teu, para sempre, irmão