Saturday, June 9, 2007

Arcangelo

Querida mana:

Não fosse outro pedaço de papel, e já teria perdido a esperança de voltar a ter uma carta tua...

"A morte é fria, dura, é injusta em toda a sua existência. Leva tanta coisa com ela sem qualquer direito a discussão, sem qualquer consciência de si mesma, sem qualquer sinal de humanidade. É isso que me dói, é eu poder erguer o próprio mundo em que vivo, sem nunca o poder colocar intangível à morte. Que medo me dá por tamanha incompreensão, tamanha indiferença ao que carrega um coração...
Assim cai esta chuva, sem qualquer calor, apoiada na tua ausência que me consome, esta chuva que não é mais do que o meu próprio sangue a escorrer por entre as ranhuras do caminho que nos leva direito ao esperado. Que medo que sinto desta água que me inunda de um fado que não aceito mas que ainda assim insiste em colocar todos os que carrego a viver sobre um mesmo fim. Como me livro desta chuva se nada nos cobre no final, se para onde tendemos é para um deserto sem céu onde tudo nos cai sem qualquer conforto, sem qualquer consciência de peso, sem qualquer respeito por tudo o que sentimos dentro de nós. É essa imortalidade a maior das injustiças, não podermos condenar a morte à sua própria morte.
E assim a chuva cai e leva-te sem ter em consideração a ligação que nos une, deixando em mim a maior das cicatrizes a cobrir a maior das feridas...
Não sei onde estou, desembaraço-me agora destes pensamentos à medida que ganho consciência do espaço. À volta uma multidão urge, ao longe um clarão de luz me confunde os pensamentos, um alguém me mostra a palma da mão a receber toda a chuva vermelha que se me escorre. Em tom de pauta me diz: "Red rain is pouring down... Come il Peter Gabriel sta cantando!!"
Gabriel?"

Do teu, para sempre, irmão

1 comment:

delusions said...

"Assim cai esta chuva, sem qualquer calor, apoiada na tua ausência que me consome, esta chuva que não é mais do que o meu próprio sangue a escorrer por entre as ranhuras do caminho que nos leva direito ao esperado."

que ausência tão doída... enquanto a ausência for assim e houver esse sentimento agudo que nos mata, a saudade, tudo fica eternizado. eternizado e nasce uma coisa que nos mata às vezes, devagarinho, como o que tarda. nasce a esperança que a saudade será atenuada por uma presença que nos irá abraçar.