Monday, April 23, 2007

Odem

Lisboa, 24 de Abril de 2007

Querido mano:

Quem nos promove neste mundo, nos retira o embalo e nos deixa desertos imensos por definir?
Dorme apenas no consolo da minha ausência, no varão de uma escada onde tropeçam segredos, no silêncio dos fracos que se fazem deuses. À noite revê as sombras, procura o enredo, descobre o enlace, espreita por detrás do pano.

Noite crua em que te deitas, que se embaraça na luz e se regozija na sombra da uma alma penosa. Comigo estarias seguro é certo, mas não é comigo que te encontras agora e nada posso fazer a não ser alertar-te. É segredo, aquilo que te deixo, que de tão sorrateiro se incumbe de ajudar aos mais lamentáveis desfechos, mas que nos antecipa finais. Meu irmão, olha em todas as direcções, revê todos os sentidos, anota todos os sinais, é pesado o fardo que te deixo mas é vital antecipares a queda do pano, para que te protejas dos assobios. Segredo, mantém-me em segredo...Mas não me forces ao esquecimento.
Se ao menos pudesse poupar-te do peso que te coloco sobre os ombros, se ao menos nos pudéssemos render à apatia de toda a gente, não me iludo e espero que tu também não. Insistirem na indiferença não lhes valeu de nada, acabaram como intelectos mortos, apodrecidos na cinza das estações. Lhes dirá o tempo, se a árvore volta a dar fruto. Digo não ao caminho, para que possas ser tu a tomar-lhe o rumo.

O tempo, no teu telhado, continua a ser marcado pelo alemão do 12º telhado? Edema generalizado esse que se acumula entre os instantes de tempo que insiste em marcar, e porque na sua graça, cada intervalo entre 2 instantes é maior que o intervalo anterior, o desgraçado acredita que tende para a imortalidade. Mora nesse telhado faz tempo e é o melhor dos exemplos dos que caíram na fossa intelectual. Comigo nunca falou. Mas talvez contigo o faça mesmo que não estejas com ele, mesmo que não o ouças, talvez na origem da sua indiferença involuntariamente permita que eu te segrede ao ouvido.
Só o facto de medir o tempo o torna vazio. O tempo rege-se numa progressão para o infinito, nunca permitirá que alguém o acompanhe eternamente. Edema generalizado esse que consome o contador do tempo que ainda assim traz com ele o meu aviso, em cada começo.

Da tua, para sempre, irmã

3 comments:

delusions said...

Todas as histórias são impossíveis de contar de rajada... É como tentar abraçar o mundo cimplesmente com os nossos braços... Impossível. Visitei o teu telhado e na dúvida de quem acaba de conhecer um mundo pergunto-te que segredo queres que ajude a desocultar? O mistério levou-me a visitar(-te) mas prende-me os sentidos, na tentativa de revelação.
Ás vezes, temos que ser ausentes para estarmos presentes, às vezes, nunca conseguiriamos ser presentes mesmo estando a três centímetros da outra presença.

Até uma próxima vez.

Sofia

sonhadora said...

Hoje deixo-te um cravo e os meus sonhos. Liberdade. Justiça, Igualda.
Beijinhos embrulhados em abraços.

Noz Moscada said...

o tempo pode ser o segredo, mas a essência do tempo, onde está??